Lenz, um relato

por Peter Schneider
– O senhor não disse a mesma coisa antes mesmo que a rebelião dos estudantes começasse? – perguntou Lenz. – Lembro-me de que o senhor preveniu que haveria confusões antes mesmo de alguém começar a se por em marcha. Enquanto os outros iam para a rua e se envolviam com a polícia, o senhor erguia o indicador, prevenindo, distinguindo cautelosamente o certo do errado, e aumentava o número de suas edições e construía casas. Mas não é a mesma coisa que alguém que jamais pegou numa pedra em lugar da esferográfica condene agora que se joguem pedras, com as mesmas frases que o outro usa para descrever sua experiência, e chegue à conclusão de que agora já não faz sentido atirar pedras. Praticamente, as mesmas frases não significam a mesma coisa, o senhor não acha?

Análises críticas de uma gangue de rua

por Black Mask e Up Against the Wall Motherfucker

Um novo espírito está surgindo. Como nas ruas de Watts, somos consumidos pela revolução. Nós atacamos seus Deuses – – Cantamos sobre sua morte. DESTRUAM OS MUSEUS – – nossa luta não pode ser pendurada em paredes. Deixe o passado cair com os golpes de revolta. A guerrilha, os negros, o homem do futuro, estamos logo atrás. Dane-se sua cultura, sua ciência, sua arte. Elas servem a que propósito? Sua destruição em massa não pode ser ocultada. O industrialista, o banqueiro, a burguesia, com sua pretensão e vulgaridade ilimitadas, continuam a acumular arte enquanto chacinam a humanidade. Sua mentira fracassou. O mundo está se levantando contra sua opressão. Homens estão nos portões à procura de um novo mundo. A máquina, o foguete, a conquista do espaço e do tempo, essas são as sementes do futuro que, libertadas do seu barbarismo, vão nos levar adiante. Estamos preparados – –
QUE A LUTA COMECE.

Não comercializem Lênin! A crítica da LEF ao culto de Lênin

por Clara F. Figueiredo
Às vésperas do funeral de Lênin, em 26 de janeiro de 1924, numa sessão especial do Congresso dos Sovietes da União, “o tributo de Stalin distinguiu-se de seus colegas por uma nota fervorosa de dedicação e adoração, ainda pouco comum no vocabulário marxista ou bolchevique”. Lênin também foi tema de uma efusão de poemas, retratos e monumentos. Seu rosto foi estampado em jarros de porcelana, embalagens de doces e caixas de cigarro. Maiakovski, na época editor da revista LEF, publicou a seguinte denúncia: “Nós somos contra isso./ Nós concordamos com os trabalhadores da estrada de ferro de Kazan RR, que pediram a um artista que decorasse o salão Lênin de seu clube sem bustos e retratos de Lênin, dizendo: ‘nós não queremos ícones’.” Neste sentido, o projeto de clube dos trabalhadores de Rodchenko poderia ser lido não só como uma alternativa crítica ao culto de Lênin, mas como uma oposição aos rumos da arte e aos rumos da própria revolução após 1921.

Nosso Globo

por Luiz Paulo Pimentel
Faz-se uma cena, e a ela acorrem espectadores. Entretanto, ao problema inicial cola-se imediatamente um outro – o que fazer com essa massa que vem para ver?

Resenha – Tiqqun, Isto não é um programa

por Thiago Fonseca
Uma armadilha: afinal, escrever sobre/com/contra um texto não é repetir, em outros termos, os limites do texto sobre o qual se escreve?

Dazibao suplica

Se precisar de um pontapé temático pra começar a escrever, elencamos a seguir uma série (quase) aleatória de temas sobre os quais adoraríamos publicar uns artigos malucos.

Homem na mesa do ateliê

por Mike Twohy

Estética depois do Fim da Arte – Uma entrevista com Susan Buck-Morss

por Grant H. Kester

“Eu acho que museus, hoje, estão conservando não só objetos de arte, mas a ideia de arte – depois de seu tempo, por assim dizer.”

Pequeno manual do ofício de representar pequenas vastidões (e algumas utopias sobre paisagens)

por Tiago Além Santinho

i. Ter uma imensa saudade sem objeto lá muito definível.

Documentos do Coletivo Autônomo de Mediadores (2013) #1

A declaração e o relato aqui apresentados são resultado da auto-organização política das trabalhadoras e trabalhadores do setor educativo da 9ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul. A declaração foi distribuída como um panfleto junto à intervenção dos mediadores na mostra. Os dois documentos foram publicados originalmente no blog do grupo .

Documentos do Coletivo Autônomo de Mediadores (2013) #2

A greve é um momento de verdade, cada um tem de escolher seu campo.

Como ver com cuidado

por Ad Reinhardt

Em uma linguagem visual, simples, clara, científica, concreta, semanticamente-revista, isto NÃO É uma pintura abstrata.

Cinco dificuldades no escrever a verdade

por Bertolt Brecht

Quem, nos dias de hoje, quiser lutar contra a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de superar ao menos cinco dificuldades. Deve ter a coragem de escrever a verdade, embora ela se encontre escamoteada em toda parte; deve ter a inteligência de reconhecê-la, embora ela se mostre permanentemente disfarçada; deve entender da arte de manejá-la como arma; deve ter a capacidade de escolher em que mãos será eficiente; deve ter a astúcia de divulgá-la entre os escolhidos. Estas dificuldades são grandes para os escritores que vivem sob o fascismo, mas existem também para aqueles que fugiram ou se asilaram. E mesmo para aqueles que escrevem em países de liberdade burguesa. (…)

O cavalete e o canteiro. Sobre o livro de Sérgio Ferro, Artes plásticas e trabalho livre (2015)

por Gustavo Motta

A natureza geral do processo de trabalho não se altera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista, em vez de para si mesmo. Mas também o modo específico de fazer botas ou de fiar não pode alterar-se de início pela intromissão do capitalista. Ele tem de tomar a força de trabalho [bem como os meios de produção], de início, como a encontra no mercado e, portanto, também seu trabalho da maneira como se originou em um período em que ainda não havia capitalistas. A transformação do próprio modo de produção mediante a subordinação do trabalho ao capital só pode ocorrer mais tarde […].
Karl Marx, O capital, 1863

A infância da arte: valor sem trabalho/trabalho sem valor?

por Guilherme Leite Cunha e Gustavo Motta

Tal qual o martelo, um sapato ou um fuzil, as obras de arte, desde que passaram a existir, invariavelmente possuíram uma utilidade. São objetos externos, coisas, as quais por suas propriedades satisfazem necessidades humanas de qualquer espécie (se essas necessidades “se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa”). Objetos e coisas, portanto, que, de acordo com os variados costumes históricos e sociais, detiveram funções comuns, ainda que simbólicas – saciando o “apetite do espírito, tão natural quanto a fome para o corpo”. Contudo, suas funções originais se foram e hoje só permaneceram – obras de arte.

Arte contemporânea: sobre a implantação do sistema de (valorização do) valor

por Guilherme Leite Cunha

No mundo criado pelo capitalismo financeiro, as obras de arte se transformaram em uma mercadoria exemplar. Com isso, a mercadoria arte é, por assim dizer, uma tábula-rasa para a produção de valor, onde quer que ela esteja e por quem quer que ela seja emitida (pois não há necessariamente um objeto material a ser fabricado). Uma vez que essa mercadoria não coloca objeções de uso, sua realidade dependerá exclusivamente do constructo simbólico fetichizado criado sobre ela. Diante da lógica do marketing pós-moderno, que tem por trabalho criar significados sociais para produtos, a arte contemporânea se configura como paradigma – de valor que se valoriza de modo fictício, dispensando exemplarmente a categoria do trabalho. (…)

Dazibao suplica

Como todos sabem, o maior problema de se fazer uma revista de crítica é que é quase impossível conseguir textos, resenhas, entrevistas e similares que escapem ao peleguismo-baba-ovismo-lambe-botismo-zé-maneísmo-paga-jabá reinante no meio das artes. Assim sendo, se você tiver ou souber de algo legal que não se enquadre nisso, pega nosso email e nos escreva.

“Esta noite eles decidiram não mais discutir sobre arte contemporânea”

por Benoit van Innis

Editorial | Dazibao Nº2

Umfunktionierung: do alemão, “inverter o funcionamento”, “conferir uma nova função” ou simplesmente “refuncionalizar”.

Declaração não solicitada ao Group Material

por Timothy Rollins
Gostaria de ser muito franco. Fiquei muito magoado com a reunião da semana passada; a depressão decorrente foi exacerbada pelo que eu interpreto serem os sentimentos de outros membros de que eu pessoalmente fui responsável pelos problemas no grupo, que eu deveria falar com as pessoas, que eu deveria fazer algo quanto às relações tensas que afligiram este grupo com um caso grave de hipertensão. Isto é o que eu tenho a dizer, e eu acho que não é mais que justo e apropriado dirigir minha declaração ao Grupo como um todo.

Um ponto e duas cidades

por Cláudio Tavares
Sua construção consumiu 89 vidas humanas, cerca de vinte anos e, terminada em agosto de 1919, 25 milhões de dólares. Estrutura de aço rebitado, possui 987 m de comprimento, 29 m de largura e 104 m de altura. No seu tempo foi a maior ponte cantiléver (sustentada por uma viga em balanço) do mundo, e possui, até hoje, o maior vão, 576 m, entre um pilar e outro.

No tempo e no espaço: reflexões pessoais sobre a 29ª bienal, de um ponto de vista pedestre

por Alberto Simon
Uma visita a Bienal durante a semana – e isso tem sempre sido assim – confirma o “momento de desconcerto dos sentidos e, ao mesmo tempo, de geração de conhecimento que não se encontra em mais parte alguma”.

O museu Hélio Oiticica. Defesa contra seus admiradores # 2

por Gustavo Motta
HÉLIO OITICICA – museu é o mundo. De maneira autorreferente, a instituição bancário-cultural reporta-se ao museu (que é de sua propriedade)… mas também ao mundo (que, por analogia, também lhe pertenceria). Seria necessário, então, inquirir – já fora do ponto de vista bancário: de que museu se trata? Ou, antes: que mundo? Enunciado em capitais: HÉLIO OITICICA. O nome do artista atua como legenda.

O bom, o mal e o feio

por James Elkins
Este texto propõe cincos razões que explicam porque o mundo da arte é uma bagunça desesperadora. Elas são seguidas de cinco respostas. O texto é uma charada. Não leia a conclusão antes de ter lido todo o resto.

“Você nunca sabe quem está do seu lado em um bonde alemão”

por Fritz Behrendt

Sol; Fa Mi Sol Do Re Mi; Do

por Mauricio De Bonis
Levando em conta o grau de generalização que é necessário tomar para que uma abordagem como essa faça sentido, já não é incomum (embora não seja consensual) a apreciação mais clara de algumas características distintivas essenciais da linguagem musical. Entre elas, e de especial interesse nesse caso, a indefinição na operação semântica (seja em associações convencionadas ou em imitações de sons pré-existentes), cuja ênfase na composição musical é substituída pela construção “sintática”, pela operação estrutural pura e simples, deixando em aberto a operação com o significado – que pode vir a ser privilegiada na associação do discurso musical com qualquer outro campo lingüístico mais diretamente carregado de implicações semânticas (não apenas a linguagem verbal).

The Real Ronald Reagan Stand Up

Quando Ronald Reagan era presidente dos E.U.A., ainda no meio daqueles que viriam a ser os últimos anos da Guerra Fria, adorava romper com o protocolo e a formalidade de seus discursos contando uma ou outra “piada soviética”. Calcadas geralmente nas agruras econômicas e políticas do dia a dia na União Soviética, essas piadas explicitariam, segundo as palavras do próprio presidente, a atitude bem humorada e cínica dos soviéticos em relação ao governo de seu país.

Da impossibilidade crítica ou o negativo do produtivismo

por Marilia Furman
Este ensaio não é apenas uma reflexão acerca das contradições de alguma dimensão contestatória, crítica ou subversiva na arte, mas ele é também, em si, permeado de contradições.
Pode-se dizer que parto do problema, insolúvel, das relações entre arte e vida e do desengano das possibilidades emancipatórias da esfera simbólica, o que, a princípio, foi fator de negação e renúncia do fazer artístico. Mas foi justamente o fato de duvidar da arte como exercício da liberdade que, em um segundo momento gerou uma reflexão orientada para uma determinada crítica que, contraditoriamente, se concretizou como arte e, assim, gerou as perguntas deste texto.

Cultura ou Criatividade? Impasses Conceituais no PSEC/MinC/Brasil

por Cayo Honorato e Viviane Pinto
Em meados de 2011, o Ministério da Cultura elaborou o plano de uma nova secretaria, atualmente em fase de operação. Porém, mais do que uma mudança na organização do Ministério (cuja dotação orçamentária jamais excedeu os 0,7% da arrecadação federal), a Secretaria da Economia Criativa ambiciona atuar como um plano de governo interministerial, articulado a inúmeros parceiros institucionais, agências de fomento e desenvolvimento, organismos bilaterais e multilaterais. Tal esforço parece revogar, como seria desejável, a percepção da cultura enquanto “ilha autônoma”, conferindo-lhe uma importância decisiva “dentro de um determinado marco social”. Entretanto, o que poderia ser tomado como a reviravolta daquilo que, na sociedade capitalista, sempre fora relegado à esfera do “socialmente inútil” (mas que, exatamente por isso, faz por vezes surgirem verdades críticas normalmente recalcadas), somente se torna possível a partir de um “deslizamento semântico” (Lopes & Santos), que leva a cultura a ser “redefinida” ou “transfigurada” pela noção de criatividade, em um sentido específico.

Dazibao suplica

Revistas de crítica de arte tendem a ser um grandiosíssimo pé no saco. O maior problema de todos é que é muito difícil conseguir textos, artigos, entrevistas e congêneres que consigam fugir do lambe-saquismo-enxuga-gelo-tira-pó do meio das artes. Pensando nisso, resolvemos elencar aqui uma série aleatória de temas para inspirar e suplicar aos nossos leitores que contribuam para o desentediamento destas incautas páginas.