Análises críticas de uma gangue de rua

demonstration-by-the-black-mask-group-new-york-city-1967

 

 

 

Textos publicados originalmente nas revistas Black Mask e UAW/MF (Nova York, 1966-7), traduzidos por Paula Dykstra a partir do volume Black Mask & Up Against the Wall Motherfucker – the incomplete works of Ron Hahne, Ben Morea, and the Black Mask group (Oakland-CA, PM Press, 2011).

 

BLACK MASK
No.1           Nov. 1966           5 centavos

Um novo espírito está surgindo. Como nas ruas de Watts,[i] somos consumidos pela revolução. Nós atacamos seus Deuses – – Cantamos sobre sua morte. DESTRUAM OS MUSEUS – – nossa luta não pode ser pendurada em paredes. Deixe o passado cair com os golpes de revolta. A guerrilha, os negros, o homem do futuro, estamos logo atrás. Dane-se sua cultura, sua ciência, sua arte. Elas servem a que propósito? Sua destruição em massa não pode ser ocultada. O industrialista, o banqueiro, a burguesia, com sua pretensão e vulgaridade ilimitadas, continuam a acumular arte enquanto chacinam a humanidade. Sua mentira fracassou. O mundo está se levantando contra sua opressão. Homens estão nos portões à procura de um novo mundo. A máquina, o foguete, a conquista do espaço e do tempo, essas são as sementes do futuro que, libertadas do seu barbarismo, vão nos levar adiante. Estamos preparados – –

QUE A LUTA COMECE.

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Wall St. é “War” St.
BLACK MASK NO.3 – Janeiro 1967

A primeira ação do Black Mask (out. 66) foi fechar o Museu de Arte Moderna (MoMA). Para nós, o museu simbolizava a supressão total do homem (por alienar da vida a criação), mas isso era apenas um aspecto do nosso plano de ataque – social, econômico e cultural. O próximo alvo é Wall Street. Especificamente a guerra de Wall Street no Vietnã, junto com sua guerra contra os pobres e a classe trabalhadora da América através dos cortes de financiamento e um teto de 3,2% nas demandas dos trabalhadores, assim como o apelo constante para que o sangue de seus filhos encharque o campo de batalha da carnificina. Não estamos abandonando a frente cultural, mas mostrando as inter-relações da luta.

Os defensores da paz são certamente bem intencionados (em sua maioria), mas se não vierem acompanhados por um entendimento sobre o lucro da guerra e sobre as necessidades econômicas que ela satisfaz, eles não podem esperar ver a paz. Um sistema baseado numa exploração interna e externa é, em si mesmo, o inimigo.

Durante a primeira semana de fevereiro, vinte e cinco homens “Mascarados” irão marchar em Wall Street e mudar seu nome para “War Street”. A declaração que segue, preparada em cooperação com Dan Georgakas, irmão e poeta, vai ser distribuída ao longo da marcha, numa tentativa de expor essa conexão.

WALL STREET IS WAR STREET

Os operadores da bolsa de ações e ossos urram por Novas Fronteiras[ii] – mas os caixões voltam para Bronx e Harlem. Bull markets[iii] de negócios assassinos numa bolsa de valores da morte. Os lucros aumentam com os furos do ticker tape[iv] da morte dos seus filhos. Gás venenoso CHOVE sobre o Vietnã. Vocês não podem dizer “NÓS NÃO SABÍAMOS”. A televisão traz as aldeias em chamas para dentro da segurança da sua casa. Vocês cometem genocídio em nome da liberdade.

MAS VOCÊS TAMBÉM SÃO AS VÍTIMAS!

Se o desemprego aumenta, a vocês é dado trabalho, trabalho assassino. Se a educação piora, vocês são ensinados a matar. Se os negros se inquietam, são mandados para a morte. Essa é a fórmula de Wall Street para a grandiosa sociedade!

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Cultura e Revolução
BLACK MASK No. 8 – Outubro/ Novembro 1967

A cultura burguesa é o inimigo, assim como o próprio sistema burguês. Não apenas os Rembrandts e Goethes mas também os modernistas irão se encontrar na pilha de lixo da cultura ocidental. Nossa história apenas nos ensina a ter sucesso à custa dos outros. Cada artista é apenas o amante do homem de negócios e do imperialista. Portanto, não é suficiente instituir uma revolução de estilo e conteúdo (que só perpetua a cultura lhe dando sangue novo): a cultura deve ser destruída. Pois não importa o quão dissidente é a revolta, a burguesia a aprecia; cria assuntos para sua revista de cultura – o burguês absorve a cena sem vivê-la. E então seu desejo por distração é satisfeito por toda multiplicação de merd-ismos – pop-op-mini-nart-funk-etc. Todo um novo negócio floresceu sobre o fim da cultura anunciado pelo Dada e pelo surrealismo; uma nova não-cultura escorregadia, um Dada institucionalizado. O verso livre – declarado obsoleto já em 1910 pelos Futuristas; happenings – atos Dada teatralizados; publicações “underground” (Oracle, E.V.O., Int. Times); um revival religioso da art nouveau, repleto de santos, deuses e gurus (Leary, Ginsberg etc.) e o mais recente truque – a pornografia enlatada do The Fugs e a exploração enriquecedora da psicodelia.

Mesmo que os movimentos anteriores (futurismo, Dada, surrealismo etc.) tenham sido vitais como um espírito, um estado de fúria, sua degeneração em objeto de arte já era inerente a sua escolha segura pelo “ismo”. Todos os “ismos” e ideologias são esquematizações do pensamento vivo, que é transformado em fórmulas que são substitutos fáceis da ação real. Precisamos finalmente esclarecer: o “ismo” é o próprio inimigo.

“Sem nenhuma reserva, a revolução deve ser inteiramente agressiva, só pode ser inteiramente agressiva” (A.Breton/ Counter Attack). E então nossa agressão se vira contra você André Breton. Você se permitiu ser canonizado; você, o grande crítico da “imagem elevada”. Mas ainda pior são os profanadores do surrealismo: Sartre e Camus, litterateurs na “verdadeira” tradição. Existencialismo: um disfarce para a não-existência. Não, Sartre, você não será salvo por sentar nos tribunais do julgamento do ocidente enquanto você mesmo como filósofo/romancista é o ocidente. Mas Camus, você enoja a gente: sua morte tirou o nosso prazer de te matar.

Mas falar não é o suficiente: precisamos colocar dinamite nos próprios alicerces, não apenas arrancar seus braços. Arte como alienação; o resultado inevitável de uma cultura (ela mesma o resultado de um sistema socioeconômico) que é divorciado da vida real. Nada menos que uma completa revolução social pode acabar com a separação que existe entre cultura e vida; as duas são inseparáveis. Podemos aceitar como revolucionário um regime que paga “artistas” duas vezes mais que trabalhadores – e isso no meio de uma “revolução cultural” (a China de Mao)? Ou um regime que celebra sua revolução (?!) com um recital de Tchaikovsky para convidados da classe dominante vestidos em traje completo (Cuba)? Até mesmo algo mais básico, podemos aceitar como revolucionário qualquer sistema que perpetue a gestão de um homem só em contraposição a uma gestão coletiva? Será que qualquer sistema economicamente baseado na organização hierárquica pode ser livre da hierarquia cultural de artistas e da tirania dos especialistas?

Ainda assim nós não devemos nos deixar cair na armadilha. Ou somos lançados a agir ou não faz sentido.

 

Yvonne De Nigris       Anne Ryder     Jenny Dicken Everett Shapiro
Ron Hahne                 Carol Verlaan  Benn Morea    Tony Verlaan
Janice Morea               David Wise     John Myers      Stuart Wise

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A Poesia Sai do Cano de uma Arma
BLACK MASK No. 4 – fevereiro-março 1967

Aqueles de vontade e mente fraca amam viver na calma e na beleza sem participar da luta. Sua cena favorita é a existência pacífica nos bastidores da violência de uma enorme força militar e policial que eles piedosamente condenam (com palavras), mas nunca se opõem (com ações). Eles tentam reconciliar coisas irreconciliáveis a fim de prevenir qualquer hostilidade. Eles têm vergonha de ir para a direita e medo de ir para a esquerda. Eles fogem para os vapores obscuros do misticismo e para as encantadoras alcovas do estetismo. Eles pilham a Índia em busca de uma religião doentia, que tem condenado a vida no subcontinente. Seu esteticismo assume as formas camaleônicas da anti-arte e do fim-da-arte-como-a-conhecemos, proclamado em incestuosas publicações/billboards/eventos/happenings que se multiplicam ad nauseam. A solução deles para um mundo cada vez mais feio é chamarem-se uns aos outros de “bonitos”. Distinções falsas são desenhadas entre espaço interior/exterior. O anti-pensamento é camuflado com a frase merda: chegamos ao fim da política. A unidade de opostos explicada por mestres tão diversos quanto Lao e Marx é anunciada como se fosse um novo iluminismo. Mas qualquer pessoa cujo AMOR a tenha levado a declarar guerra ao inimigo e a expressar francamente seu Ódio é considerada um monstro parido num esgoto da Union Square. Os ditadores do bom gosto dizem que este é um tempo de fantasias, de ruído amplificado, de histórias em quadrinhos intelectualizadas e consideram extraordinários todas as loucuras. Mas a triste verdade é que a maior parte do cinema de vanguarda é chato e que a geração com menos de 25 tem pouco a ensinar e muito a aprender. A pop art e similares são pouco mais do que uma apoteose da realidade capitalista. Mesmo a revolta contra o Genocídio Viet muitas vezes se torna mais um artifício de construção de carreira. Ao invés de apresentar uma ameaça ao status quo, a cultura hippie provê toda uma nova indústria com vastos impérios de lucros inesperados. Os promotores do capitalismo fizeram um ataque midiático ao Underground transformando-o em uma perversão de rebelião que nem chega a ser um fac símile razoável. A busca pelo perpétuo High nada mais é que o veludo que recobre a luva de ferro imperialista. Enquanto doces pombinhos cantam hare krishna nos parques de Manhattan, as crianças da Ásia são atacadas com napalm. A vasta conspiração do crime global se equipa para suas maiores atrocidades e os “rebeldes” protestam com crisântemos amarelos e submarinos de papel. Os sinos que agora badalam não são para o guru Malcolm,mas para o sistema que o assassinou. Ou o homem criativo se compromete com a poesia da ação ou ele submerge com os empenhados da morte e suicidas desta triste nação demente. O homem criativo não entretém ou choca a burguesia. Ele a destrói!

Dan Georgakas

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Revista UP AGAINST THE WALL MOTHERFUCKER

quando o vasto corpo se move pelas ruas de campos de batalha
caminha sobre várias pernas
células famintas e barrigas raivosas
entranhas de raiva/sangue de raiva
raiva numa única fantástica garganta que grita:
“Agora! Agora este corpo vê, este corpo sente
este corpo sabe e dói, este corpo
vai sofrer para não ser acorrentado nunca mais!
e quando o vasto corpo se move pelas ruas de campos de batalha
os grandes edifícios tremem…

henry/uaw-mf


Notas

[i] De 11 a 15 de agosto de 1965 no distrito de Watts, em Los Angeles, na Califórnia, nos Estados Unidos, ocorreram revoltas civis que resultaram em 34 mortes, 1 032 feridos, 3 438 prisões e mais de US$ 40 milhões em danos materiais. Foi uma das maiores revoltas na história da cidade até 1992. (N. da T.)

[ii] “New Frontiers” [Novas Fronteiras] foi um programa econômico doméstico dos EUA, instaurado nos anos 60, por JFK. (N. da T.)

[iii] Expressão que significa que o mercado está em uma tendência alta, com os preços das ações subindo. (N. da T.)

[iv] Finas tiras de papel, semelhante às usadas nos antigos aparelhos de telégrafo, que, ao serem furadas, reportavam as operações fechadas na Bolsa de Valores de Nova lorque. (N. da T.)


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