Dazibao suplica

Revistas de crítica de arte tendem a ser um grandiosíssimo pé no saco. O maior problema de todos é que é muito difícil conseguir textos, artigos, entrevistas e congêneres que consigam fugir do lambe-saquismo-enxuga-gelo-tira-pó do meio das artes. Pensando nisso, resolvemos elencar aqui uma série aleatória de temas para inspirar e suplicar aos nossos leitores que contribuam para o desentediamento destas incautas páginas. Como não poderia deixar de ser, esse convite se dirige não só aos nossos críticos de arte profissionais e sub-profissionais de plantão, mas sobretudo a todos aqueles que fazem do meio artístico essa zona toda (artistas, montadores, seguranças, educadores, recepcionistas, manobristas, historiadores, pintores de parede, eletricistas, diagramadores, copeiras, colecionadores, penetras de vernissage, impressores de etiquetas, restauradores, etc. etc.). E podem relaxar quanto ao formato. Textos tanto dentro quanto fora do usual rigor crítico-acadêmico serão igualmente bem vindos.*

* Só não nos apareçam com muita artistagem, ok? Não que não gostemos de pirações estéticas e coisas do tipo, mas é que o grande lance nessa merda aqui é tentar fazer uma revista de crítica de arte e não de Arte.

Gesto do poder: uma análise pictórica das obras de George W. Bush
Todo mundo se lembra de quando um romeno hackeou o email do ex-presidente norte-americano George W. Bush e revelou várias fotos de suas pinturas, certo? Bom, o que precisamos é de um impávido crítico que se proponha a analisar e interpretar essas obras à luz da história da arte e da política. Confrontar obras como “Cachorrinho em frente a casa branca” e “Auto-retrato na banheira” com clássicos como “A Estação St. Lazare” de Eduard Manet, “A morte de Marat” de Jacques-Louis David e “O que a água me deu” de Frida Kahlo. E o verdadeiro destaque deverá ficar por conta do inesperado “Auto-retrato no espelhinho do banheiro”, fascinante obra na qual o ex-presidente procura reatualizar o tema do reflexo de “Un bar aux Folies-Bergère” de Manet e, claro, “As meninas” de Velásquez, já dentro do contexto pós-11-de-setembro.

Pelo espírito de André Breton, John Cage e Sigmar Polke e o Dr. Fritz ou Chico Xavier e a utopia de uma modernidade desencarnada
Notório é, pois, o ímpeto pós-modernista em sua invectiva capital contra os primados teóricos e espirituais que durante toda a história incutiram nos conspícuos numes das artes profundas clivagens estético-formais de altíssimo vigor beligerante. De rosto impávido e peito aberto, batalhões de estetas inspirados tomaram de assalto as UPPs de marfim dos estilos e escolas, derribando-as como cadáveres dilacerados e moribundos numa ampla e abismal mesma vala comum. Todavia, enquanto as campanhas de um Venturi, um Warhol, um Schnittke, um Adams ou um Pynchon se vêem alvo de louros e homenagens pelos confins de todo o globo, iniciativas de nomes memoráveis acabam logradas ao esquecimento em meio as margens plácidas de nossas águas brasileiras.
Clamamos aqui, pois, para que nossos críticos literários empunhem suas armas analíticas e se dirijam as colinas hoje desconhecidas da improvável poética de Parnaso de Além-Túmulo, obra do renomado médium espírita brasileiro Francisco Cândido Xavier. Não seria a escrita psicográfica de Chico um tipo de invenção independente e isolada da escrita automática? Não estaria ele para Breton e Tzara assim como Hércule Florence estava para Louis Daguerre? Não seria também o caso de reconhecer em Parnaso de Além-Túmulo a verdadeira ponta de lança daquilo que poderíamos alcunhar de primeira escola pós-modernista do retorno à ordem do Brasil. (E aí Sr. T. M., encara o desafio?)

NÃO: ou de quando as paredes começaram a dizer “sim” aos grafites
No começo dos anos 2000, alguém fez um grafite em São Paulo: “A gente sabe que o grafite tá virando pressão, mas a rua não vai deixar o grafite morrer”. Talvez nenhum caso seja tão paradigmático para entender as contradições pelas quais a arte de rua passou nos últimos tempos do que o episódio da silenciosa batalha travada nas paredes do chamado “buraco da Paulista” em São Paulo entre os anos de 2004 e 2005. Foi nesse período que a prefeitura e a ONG Revolcionart tomaram a iniciativa de cobrir os muros grafitados do local com um límpido e comportado painel, também grafitado, de reproduções de obras clássicas do modernismo brasileiro (com direito, inclusive, a molduras em trompe l’oeil). Durante meses os desenhos do túnel foram alvo de “atropelamentos” por parte de pixadores e grafiteiros indignados, e de restauros por parte do pessoal da Revolucionart. A disputa só encontraria seu fim quando, muito tempo depois, um grupo de artistas se uniu e cobriu com toneladas de tinta ambos muros com um gigantesco e sonoro ¨Não¨. Alguém se habilita a pensar seriamente sobre o assunto?

Edemar Cid Ferreira: esse sim entendia de arte!
Caralho, ninguém topa ir atrás do promotor do caso do Edemarzinho? Uma exclusiva com ele, será que alguém consegue? E no final das contas, alguém sabe dizer exatamente em que pé anda essa história toda? Estagiários do Banco Santos e da BrazilConnects, cadê vocês?

A ascensão de Lúcifer: Um guia thelemita para entender Kenneth Anger
Tá, o Kenneth Anger é o grande e venerado pai do cinema independente e experimental americano. Ok, ok, até aí é fácil. Mas quantos se aventurariam a tentar explicar seus filmes, cena por cena, de maneira minimamente aceitável? Desafiamos um inveterado autor a nos contar de uma vez por todas o que caralhos esse retardado está tentando nos dizer em meio aquela porra locagem toda. O convite poderia incluir toda a obra do artista, mas acreditamos que um bom começo seria o filme mais bem simbolicamente estruturado dele (se é que faz algum sentido dizer isso), o não menos bizarro e macabro “Lucifer Rising” de 1972. Como a porra do filme está todo pautado nos delírios místico-filosóficos da Golden Dawn e do Aleister Crowley (e tudo isso ao som da trilha sonora feita em plena prisão por Bobby Beausoleil, um dos caras da turminha do Charles Manson acusado de assassinato), contamos com a boa vontade de algum thelemita, luciferiano ou entendido no assunto de plantão. O pessoal do C.I.H., da A.A., da O.T.O. e a galera do caminho da mão esquerda são bem vindos.

Desvio, apreensão, registro e arte: ou de como os tiras sacaram o casal Becher melhor do que a gente
O tal do Tumblr “Apreensão e Crime” provavelmente é a coisa mais instigante que apareceu no debate nacional das artes desde a porra da Bienal da Antropofagia. O que a gente precisa agora é de uma análise foda da bagaça. Mas tem que ser foda mesmo. Algo como uma conversa de bar entre o Wölfflin bêbado, o Guy Debord em crise de abstinência e Jameson com dor de barriga.

O terreno é obviamente frutífero, mas num contexto como esse não custa nada sair atirando para todos os lados. É só dar um scroll pelas imagens que os paralelos burbulham na nossa cara: a retratística gainsboroughiana, o romantismo zoológico stubbsiano, o paisagismo barbizoniano, o construtivismo tatliniano, o merzbauzianismo schwitterziano, o ready-madeismo duchampiano, o documentarismo walker evansiano, o monocromatismo reinhardtiano, o lado-a-ladismo carl andreano, o poverismo merziano, o pós-modernismo warholiano, o ready-constructibleismo oiticiciano, o maquetismo montez magnoziano, o gordo-feltrismo beuysiano e, sobretudo, como não poderia deixar de ser, no mínimo, o glorioso non-siteismo robert smithsoniano (que, aliás, foi postumamente inventado por D. Pedro I na ocasião do translado  e depósito de seu coração em Portugal — mas isso já é história pra outro dazibao suplica).


 


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