Dazibao suplica

O problema de sempre numa revista de crítica é que costuma ser dureza encontrar textos, artigos, descrições, críticas, resenhas e congêneres que não se enquadrem no chapa-branquismo- puxa-saquismo-progressismo-soft usual do meio das artes. Então se você tiver algo legal pra publicar pega nosso email e escreve pra gente. Analisaremos a proposta e, se tudo der certo, a publicaremos mais cedo ou mais tarde aqui. Se precisar de um pontapé temático pra começar a escrever, elencamos a seguir uma série (quase) aleatória de temas sobre os quais adoraríamos publicar uns artigos malucos.

Como quebrar um banco
Puxa, como era mesmo? “O que é um assalto a um banco comparado à fundação de um banco?” Quando o tio Brecht perguntava isso, era razoavelmente fácil tomar uma posição: Bonnie e Clyde cruzavam a América com rajadas de balas, e os irmãos Lehman ainda eram os donos de mercearia que tinham acabado de inventar um jeito de especular com a colheita do algodão no Alabama. Dizem as más línguas que, nessa época, foi o banqueiro de Lenin, Israel Gelfand, que soprou a teoria da “revolução permanente” pro Trotsky e, de todo modo, logo depois da Revolução Russa, coube ao velho bolchevique Yakov Ganetsky (que tinha pago a passagem de trem do Lenin pra Rússia) passar pra história do movimento operário no pouco honroso papel de fundador do Banco do Povo da URSS. Por sua vez, o lendário alerta do Che aos guerrilheiros revolucionários – “se você começa uma revolução roubando bancos, você termina como um assaltante de bancos” – deixava apenas tácita a parte prática de que faz muito sentido roubar bancos no meio da revolução (como o Marighella apontava por extenso no Manual do Guerrilheiro Urbano). Mas quando o dinheiro passou a circular nos monitores dos terminais eletrônicos, e mais valia um cartão de crédito na mão do que mil notas de cem voando, os próprios fundamentos da relação entre assaltantes e fundadores de bancos foram virados do avesso, dando lugar a uma nova divisão do trabalho nesse ramo: o Black Bloc se juntou e começou a atirar pedras nas agências bancárias e o pioneiro Nick Leeson, então operador de mercados futuros na bolsa de Cingapura, levou ao colapso o tradicional banco de investimentos londrino Barings Bank (depois de uma série de falcatruas artesanais que ele realizou sozinho) – ambos inaugurando tradições que se espalharam pelo mundo. Quem topa realizar o excitante trabalho de especulação política que começa nesse ponto?

Desenhando com o lado direito do cérebro
E já que 2016 foi o ano da tal “pós-verdade”, a gente foi dar uma olhada de novo naquela coletânea que a Carta Maior (http://www.cartamaior.com/capas_veja/) tinha feito das capas da Veja. E não foi um espanto geral descobrir que os diretores de arte da Editora Abril já usavam desde os anos 90 a lógica dos memes de internet? Em escala nacional, o que pode ter significado o bombardeio dessas montagens humorísticas de texto e imagem que transformaram as bancas de jornal em imensos Tumblrs avant la lettre?  Bom, aparentemente chegou a hora de revisitar as capas da Veja na forma de um ensaio visual crítico bem minucioso, a lá Farocki. Voluntários?

Pokémon GO: fascismo e participação do espectador
Tá, já falamos disso antes, mas o touch screen chegou pra ficar – bagunçando séculos de literatura científica sobre a oposição tátil/ótico nos assuntos de Estética, pra não falar das ciências neuro-cognitivas. Mas, não contentes em causar ataques epiléticos em crianças, os crápulascriativos da franquia Pokémon parecem ter dado mais um passo na direção daquele abismo apontado por tecnofóbicoscríticos, que anteveem mais uma camada de alienação incorporada aos hábitos, práticas e normatizações corporais cotidianas (gente saudosa dos bons e velhos tempos da “experiência real” de apertar botões!). No Pokémon GO, com a coisa da realidade aumentada, entra em parafuso também a clássica oposição entre real/virtual, onde a existência dupla do jogador, real e virtual, gera uma coincidência entre mundo “físico” e algoritmo “digital”. Então, de novo, dando asas à imaginação apocalíptica: se o fascismo é o movimento de massas que põe em ação a autodestruição da humanidade como uma prática de entretenimento, seria o Pikachu a figura mais atual do Anticristo? Será que ao capturar monstrinhos virtuais estamos participando ativamente da destruição de nossas próprias capacidades cognitivas – e gostando disso? Ou os jogadores de Pokémon GO seriam apenas emissários que alertam pelo exemplo sobre os dispositivos que regem as sociedades de controle capitalistas?

O despertar da força de Donald Trump
A hipótese é maluca, mas simples: o reboot de Star Wars em 2015 (e os vários revivals Hollywoodianos) dá forma cultural ao processo social e político que levou à eleição de Donald Trump como presidente dos EUA. Ao basicamente recontar a história do primeiro filme (1977), cobrindo o enredo com uma fina película multicultural, o diretor J.J. Abrams “renovou” a franquia por meio de doses cavalares de nostalgia – e com isso foi capaz de fazer Star Warsgreat again” (depois das terríveis prequels do início dos anos 2000). Trump, por sua vez, utiliza afetos análogos, remixando a nostalgia da era do pleno emprego da América industrial com a garantia de privilégios racistas, heteronormativos e xenófobos. (Devemos essa ao South Park). Por outro lado, do ponto de vista técnico, ao contrário do novo Star Wars, cuja produção foi marcada pelo uso de efeitos práticos tradicionais, em que a ambientação vintage priorizava a dimensão sensível dos “valores de uso” (locações reais ao invés do “fundo verde”, maquetes ao invés de modelos digitais em 3D, dublês e puppeteers no lugar de figuras computadorizadas), o discurso trumpiano é cheio de “Computer Generated Imagery” – coisas que não tem peso ou fricção com a realidade, que aparecem aqui, somem ali, etc. Precisamos de alguém que se habilite a pesar por extenso as contradições que se desenvolvem a partir daí e, ao fim, possa responder: seria Bernie Sanders aquele veio trazer equilíbrio para a Força?


 


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