Um ponto e duas cidades

Na idade do ferro
Nada pode fugir do ferial
Na idade do ferro
só ferir é real.
(Alberto Martins, 1992)

Sua construção consumiu 89 vidas humanas, cerca de vinte anos e, terminada em agosto de 1919, 25 milhões de dólares. Estrutura de aço rebitado, possui 987 m de comprimento, 29 m de largura e 104 m de altura. No seu tempo foi a maior ponte cantiléver (sustentada por uma viga em balanço) do mundo, e possui, até hoje, o maior vão, 576 m, entre um pilar e outro. Declarada monumento histórico em 1987, sua proprietária é a estatal Canadian National Railway. Por ela passam três vias: pistas rodoviárias, linha de trem e uma passagem de pedestres. Ela possibilitou o tráfego comercial no leste do Canadá e estabeleceu a província do Quebèc como um dos principais centros econômicos da América do Norte. Projeto exemplar, não possui nenhum nome que esteja fortemente ligado a sua concepção e desenho. A ponte de Quebèc é assim, um dos símbolos da modernização econômica do Novo Mundo no século XX.

Guardadas as devidas proporções, não de tamanho físico, mas de vulto simbólico – muito maior o desta segunda do que o daquela primeira –, a Torre Eiffel, em Paris, é também expressão da modernização ocidental. Ao contrário de sua correlata canadense, o nome de seu construtor, Gustave Eiffel está intimamente ligado a ela. Com seus 300 metros de altura, foi construída em dois anos, com uma única vítima humana, para a Exposition Universelle em comemoração ao centenário da Revolução Francesa em 1889. Teria sido desmontada logo após o encerramento das festividades, mas, tendo em vista recuperar o capital investido em sua construção o prazo estendeu-se por vinte anos,– e foi mais tarde, estendido infinitamente. A torre Eiffel, durante o século XX passa a ser entendida como parte importantíssima do patrimônio nacional francês (regulado, não sem uma dose de ironia objetiva, por uma fundação privada).

Dois símbolos de suas respectivas cidades: o que aproxima e o que distancia esses dois marcos da engenharia da modernidade? A Ponte do Quebèc é tudo aquilo que a Torre Eiffel deveria ter sido concretamente e não foi: não apenas um monumento à idade do ferro industrial que ela inaugura, mas ela mesma um objeto de usufruto e circulação comercial. Se a Torre Eiffel observa esta circulação (e os efeitos de sua própria ação sobre a circulação turística na cidade) do alto da imponência de seu esqueleto, a ponte canadense, deitada, integra-se ao próprio circuito da sociedade à qual ela representa: este é seu significado profundo. São duas estruturas terríveis, voluntariamente antiestéticas e impessoais. O que as distancia? Enfim, a distância mesma entre horizontal e vertical, entre x e y.


 


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