Valendo-me da estrutura formal do conto “A quinta história” de Clarice Lispector, proponho, também aqui, cinco narrativas. Cada uma delas apresenta problemas na relação entre teatro, governo e educação incidindo sobre o corpo do espectador teatral. Todas as historietas são verdadeiras, “porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem”.[i] Se o que dispara todas as cinco narrativas do conto referência é sempre um mesmo conflito – a queixa de baratas –, e as consequentes estratégias para exterminá-las, aqui também se faz necessário dizer que as histórias têm um ponto de largada comum: Faz-se uma cena, e a ela acorrem espectadores. Entretanto, ao problema inicial cola-se imediatamente um outro – o que fazer com essa massa que vem para ver? A essa pergunta, cada história acaba por traçar sua singularidade no trato. Entretanto, em oposição ao conto das baratas, nenhuma delas diz sobre pretensões assassinas em relação ao espectador teatral, mas sim sobre formas de gerenciá-lo, partindo de propostas educativas ou disciplinares as mais diversas. Por limitações da forma da escrita, lamenta-se que os cenários apresentados estejam apresentados linearmente. Seria preciso seguir embaralhando-os para que se dispusessem em uma situação de mirada justaposta. Deve-se, portanto, frisar seu paralelismo, e não a predominância de um sobre o outro.
I.
A primeira história, “Uma escola para espectadores”, começa assim: faz-se uma cena, e a ela acorrem espectadores. O que fazer com eles? Criada em 2001, a Escola de Espectadores de Buenos Aires (EEBA) foi idealizada pelo pesquisador argentino Jorge Dubatti, e seu modelo seguiu sendo implantado em Montevidéu, Cidade do México, La Paz, Santiago do Chile, Medelín, Lima e, por fim, Porto Alegre. Segundo o pesquisador, “ninguém vai ao teatro para estar só. A reunião teatral consiste justamente em viver, sentir, olhar, emocionar-se, interagir e discutir com os outros”.[ii] Entendendo a cena teatral argentina como composta por espectadores aficionados, Dubatti atribui a sustentação do teatro de Buenos Aires muito mais ao “boca a boca” do público do que à divulgação publicitária em jornais: “Hoje o espectador teatral é consciente da complexidade e da riqueza que o teatro contemporâneo alcançou. O espectador, então, é curioso, inquieto, ávido por novidade, informação e chaves interpretativas”.[iii] A criação de uma escola de espectadores, portanto, seria justificável pela ampliação e enriquecimento dos horizontes culturais, emocionais e intelectuais dos espectadores, assim como contribuiria para a produção de seu pensamento crítico.
Em 26 de março de 2013 deu-se início às atividades da Escola de Espectadores de Porto Alegre (EEPA). O projeto, encabeçado pela Coordenação de Artes Cênicas da Prefeitura, foi lançado com a presença de Dubatti. As atividades da EEPA tratam de conciliar aulas sobre os fundamentos das artes cênicas e debates com diretores, atores, produtores e técnicos, tendo por tema as produções teatrais de Porto Alegre[iv]. Com atividades gratuitas, a EEPA não exige qualquer pré-requisito de seus alunos e dispõe, semestralmente, aulas quinzenais. À época de seu lançamento em 2013, as 80 vagas abertas para inscritos haviam sido preenchidas e muitos aguardavam na lista de espera.
Em seus três anos de funcionamento, a EEPA debateu mais de 50 espetáculos, entre montagens gaúchas, nacionais e internacionais. No material de divulgação do curso, pode-se ler que seu objetivo geral trata de “capacitar os espectadores a assumirem um papel ativo, autônomo e crítico na criação artística”. Para o cumprimento da missão, as aulas são planejadas de maneira a combinar conhecimentos teóricos com trocas de experiências entre artistas, especialistas e alunos. Para facilitar o acesso dos estudantes às salas de espetáculo, a EEPA garante o pagamento de meia-entrada em todas as peças indicadas.
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Renato Mendonça, coordenador da Escola, assim justifica a empreitada: “Parto do princípio de que só se pode gostar e valorizar o que é conhecido. Os efeitos que isso pode causar ainda são desconhecidos, mas esperamos que passem pela organização de núcleos de estudos, grupos de leitura dramática e por clubes de discussão”.[v] Segundo Mendonça, para tornar a ida ao teatro uma experiência de familiaridade, seria necessário qualificar o espectador e discutir questões que pairam ao redor do acesso ao teatro, como valorização cultural, apoio estatal, poderio econômico da população e acessibilidade de informações.
É importante notar que o logotipo da EEPA apresenta um globo ocular pincelado com as cores preta, amarela e azul. A pupila amarela destaca-se: sua cor viva é envolta por pinceladas pretas e azuis, indicando um movimento de torvelinho ao seu redor. Se, por um lado, o olhar estaria projetado como turbilhão de incessante movimento, ele também seria afeito à formação e à especialização. Reconduzido aos bancos escolares, o espectador veria a reduplicação da carteira estudantil, tanto nas fileiras da plateia quanto no espaço reservado da Escola.
II.
A outra história é quase a mesma e se chama “Nosso globo”. Começa assim: faz-se uma cena (ou uma custosa investida arqueológica), e a ela acorrem espectadores. Em 2012, soterrada abaixo de um estacionamento em Leicester, Inglaterra, foi finalmente encontrada a suposta ossada do rei Ricardo III. O inusitado solo que servia, até então, de abrigo aos restos de Ricardo sublinhava o contraste entre a glória de uma vida assassina e a derrisão de seu mausoléu. Ironias arqueológicas.
Muitas fotos do achado circularam na internet e em periódicos mundiais. Nelas, o esqueleto pode ser visto com o crânio pendido para o lado diametralmente oposto ao da bacia; a bacia, por sua vez, parece desproporcional quando comparada à extensão das omoplatas e das costelas; e a coluna vertebral, vista em tal situação de curvatura, pode nos remeter à torsão de um gancho ou a um artrópode retorcido. À época da descoberta, restavam dúvidas sobre a legitimidade dos restos mortais.
No dia três de fevereiro de 2013, após intensa análise e estudo da ossada, cientistas confirmaram a autenticidade do cadáver por meio de DNA comparativo com dois de seus descendentes vivos. Ao anúncio, compareceu a mídia internacional. Soaram fanfarras, palmas e uivos do público com a confirmação da veracidade dos restos.
Tornado famoso por sua ambição e sua figura monstruosa (o tirano sempre foi retratado como um déspota assassino, corcunda e manco), segundo as exegeses científicas sobre sua ossada, Ricardo III teria padecido de uma machadada que abriu uma larga fenda em seu crânio. De feições femininas, por conta do quadril largo, e corpo delgado, o esqueleto ainda comprovava perfurações de espada em diversos pontos. Entretanto, o feito triunfal da análise foi o de poder atestar a equidade da largura de seus braços. Ali, onde o corpo de Ricardo não escapava da norma biológica, residia o triunfo científico. Por meio dessa prova, pôde-se pôr fim à polêmica que embalou toda uma série de estudos acadêmicos: William Shakespeare inventou Ricardo III a seu bel-prazer, como muitos estudiosos teriam sempre afirmado. Segundo o agora inverídico dramaturgo inglês, Ricardo teria um de seus braços malformado.
Considerada um drama histórico pelos especialistas na dramaturgia do bardo, a peça Ricardo III é, talvez, o principal escrito que fundamenta o imenso fascínio póstumo pelo monarca, assim como a profusão historiográfica ao redor de sua figura. Entretanto, as críticas advindas da comprovação científica da ossada acabariam por enfatizar a infidelidade histórica do Ricardo shakespeariano, do mesmo modo como o exagero teatral de suas deformações físicas e também morais. Ao mesmo tempo, o saldo reflexivo dos cientistas e historiadores parecia lamentar o fato de que Ricardo provavelmente teria sido uma figura muito menos interessante em vida do que aquela delineada pela ficção shakespeariana.
Em busca de uma paisagem mais interessante, afastemo-nos do pó de cálcio misturado com concreto para retroceder uns tantos séculos e encontrar uma audiência com expectativa muito diversa daquela que aguarda pela legitimação da verdade óssea possibilitada pelo discurso científico. Construído na cidade de Stratford-upon-Avon em 1599, o Globe Theater (ou The Globe), foi reduzido a cinzas por um incêndio em 1613 e reconstruído no mesmo ano. Sua estrutura cilíndrica acomodava três galerias de espectadores, sendo a mais alta protegida por um telhado. Como prática recorrente, hasteava-se uma bandeira branca para a comédia e uma preta para a tragédia, alertando ao público a respeito da função da noite. O palco projetava-se na arena, de modo a que ambos, público da arena e atores, ficassem descobertos ao longo das apresentações. Sobre o palco, havia uma galeria, coberta por um toldo, a ser ocupada por músicos ou ser tornada parte da peça. Acima dessa galeria, elevava-se um pequeno espaço por onde um corneteiro anunciava o começo da apresentação. Algumas das galerias eram reservadas aos nobres, enquanto o gentio se dividia da seguinte forma: os que podiam pagar compravam sua entrada para a galeria apropriada de acordo com o valor de que dispunham; os pobres pagavam um penny e podiam assistir às peças da arena, que se situava como um fosso abaixo do palco. Aos espectadores dessa arena, portanto, era dado a ver o horizonte do palco quase à altura dos olhos, como répteis espreitam na água.[vi]
Ao espectador pobre, que só podia pagar um penny, coube a alcunha de groundling. Os groundlings eram temidos pelas companhias de teatro, pois elevavam suas vozes em aprovação e desaprovação, e, muitas vezes, eram responsáveis pelo fracasso de uma peça. Sem qualquer tipo de assento, sustentado ao longo da representação apenas por seus pés, o groundling se amontoava na arena junto com vários outros miseráveis, situando-se muito próximo do proscênio. Eram chamados também como “fedarentinos” (stinkards) ou “fedetostão” (penny-stinkers). Sabe-se que, assim como Ricardo III, eram figuras terríveis: conhecidos pelo mau comportamento, eles atiravam comida ao palco – frutas, cascas e caroços – como sinal de reprovação às personagens que não os cativavam. Também se sabe que havia groundlings saqueadores de bolsas, cuja atividade, ao longo do transcorrer da peça e da algazarra do The Globe, era cortar as alças dos pertences dos espectadores sem que eles pudessem se dar conta disso.
Era dentro desse globo que se encenava Ricardo III. A peça, que apresenta um dos enredos mais complexos escritos por Shakespeare, trazia à cena impressionantes 58 personagens, sem contar os “guardas, albardeiros, cavalheiros, lordes, cidadãos, serviçais e soldados”[vii] que figuram entre os seus cinco atos.
Sabe-se que Ricardo foi o último rei da Casa dos York e o último da dinastia Plantageneta. Provocando a própria extinção dinástica por meio do assassínio de seus consanguíneos, a morte do tirano, segundo alguns historiadores, marca simbolicamente o fim da Idade Média na Inglaterra. Personagem central da peça de Shakespeare, a figura de Ricardo é também a primeira aparição no palco. Sozinho, ele entra cena e organiza um pacto com os espectadores por meio de um longo e célebre monólogo no qual expõe sua ambição de poder e os planos criminosos que desenvolverá ao longo da ação da peça. De fato, tudo se cumpre: Ricardo assassina irmãos, sobrinhos e fiéis amigos. No último ato, sendo visitado em sonho pelos fantasmas daqueles que morreram por suas mãos, Ricardo acorda sobressaltado numa barraca em campo de batalha pedindo por um cavalo e para que lhe fechem as feridas. Entretanto, ao recobrar a consciência, percebe que as feridas não estão lá e que o cavalo repousa tranquilo. É na cena seguinte, após a ofensiva da tropa do conde de Richmond (futuro rei Henrique VII), que Ricardo é abandonado por seu corcel no meio do conflito. Desguarnecido diante do inimigo e reduzido a um mero mortal, a personagem então exclama a sentença memorável: “Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!”. Besta torta e desfigurada, tirana e vil, impossibilitada de trotar para longe, o tagarela Ricardo acaba por se enfrentar corpo a corpo com o rei Henrique VII numa batalha silenciosa, recebendo uma série de feridas letais que o fazem tombar no campo de Bosworth. E, conforme nosso avanço científico atesta, a ossada do repugnante teria como destino final o parking lot.
Espectadores do século XXI, temos dúvida se o corpo tombado de Ricardo era recebido com algazarra ou silêncio por parte dos groundlings. E essa é uma dúvida que segue impossível de ser esclarecida. Ao mesmo tempo, arrisca-se aqui sugerir um possível parentesco entre a imoralidade retratada na figura do Ricardo shakespeariano com a ética exercida pelos espectadores “do chão”, que se acumulavam sobre si mesmos no fosso diante do palco. Menos gente do que bichos (o nome groundling futuramente veio a nomear um peixe que emerge com seus olhos para fora da água), seria talvez a esse populacho do fosso que as vis personagens de Shakespeare endereçariam seus apartes, em que expõem toda a atrocidade de sua alma, e não às galerias dos nobres que se sobrepunham cobertas. Uma palavra com direção ao chão, ao montante, à massa ruidosa e violenta.
III.
Saltemos em direção à próxima história e, assim como seu corcel, também abandonaremos Ricardo à morte no campo de batalha, a fim de aportar no ano de 2013 na I Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MIT-SP), com o intuito de perscrutar outro episódio da perda de um reino por um cavalo. Talvez menos importante do que a coroa inglesa, o reino perdido passa a ser o teatro. Essa história chama-se “Tirem o animal do palco!” e começa assim: faz-se uma cena.
A performer espanhola Angélica Lidell, que em 2010 foi considerada pelo Festival de Avignon uma das maiores forças do teatro mundial, apresentou sua peça Eu não sou bonita no Teatro Cacilda Becker dentro da MIT-SP. Segundo Lidell, seu teatro teria como objetivo “fazer com que o público compreenda melhor o mundo”[viii] e seu trabalho é lido pela pesquisadora Sara Rojo (2014, p. 84) como gerador de “um forte incômodo que lança o espectador em um lugar de indeterminação”.[ix]
No espetáculo apresentado no Brasil, destaca-se a presença de um cavalo branco em cena junto à performer ao longo de todo o espetáculo. O cavalo situa-se numa pequena baia localizada no canto direito do palco e opera como interlocutor da performer[x]. A cena pretende abordar a temática da violência perpetrada historicamente contra o corpo da mulher por meio de um texto lírico – às vezes autobiográfico – composto pela própria performer, assim como por ações de risco físico (tais como queimaduras e cortes corporais).
Em uma das apresentações do trabalho em São Paulo, ao erguer a placa “Quem quer comer Angélica Liddell?”, a performer foi surpreendida por um grupo de cinco ativistas que subiram ao palco, vindos da plateia. Erguendo placas com escritos como “Tirem o animal do palco!” e “Sejamos artistas, não algozes”, os manifestantes se declararam contra o especismo[xi] e pediram retratação da MIT-SP em relação à presença do cavalo em cena. O QUE FAZER COM ELES? Calada, sentada num canto da cena, Lidell observava não somente a manifestação no palco como também o rechaço do público – em geral composto por jornalistas, críticos e fazedores de teatro – à atitude de protesto. Antes que a organização da Mostra pudesse pensar soluções face ao inesperado acontecimento, carros da polícia já estavam parados à porta do teatro, convocados pelos celulares inteligentes dos espectadores. Segundo a colunista social Barbara Gancia, presente na sessão, “o público não viu graça. Devo ter tido a má sorte de cair com a plateia mais intolerante do mundo, a mais sem graça. Vai ver, sobrei com a turma que considera ‘arte’ uma coisa que deve ser levada muito, muito a sério”.[xii] Retirados os manifestantes, a obra pôde continuar com apoio dos que lá restavam.
O que houve no Teatro Cacilda Becker parece circunscrever uma atitude singular na relação cena-espectador contemporânea. Ali, parte do público que se apresentava previamente preparado e munido de aparatos para agir em defesa da vida sensível dos animais, teria subido à cena e interrompido a performer que, por sua vez, vinha criticando tematicamente a violência de gênero e o machismo endêmico. O caminho da performance, por sua vez, passaria a ser controlado e decidido por outra parte do público em conflito com os manifestantes, sem prévia organização poética da artista. Os espectadores, tornados agora protagonistas da ação, acabariam por definir os rumos da performance por meio de uma série de táticas de preservação da artista. Assim, teriam chamado a polícia, neutralizado os manifestantes e reorganizado a calma no recinto teatral, de modo que a artista pudesse dar continuidade à sua cena. Cabe-nos retomar o fato de que a maior parte dos espectadores da Mostra era composta por especialistas na linguagem teatral, público recorrente nos assentos da sala da cidade de São Paulo. Eis que uma plateia, reunida em um dia trivial, opera nos tão almejados padrões do espectador crítico: debate, age, toma as rédeas da cena, está viva. Ao mesmo tempo, a maioria dos espectadores, segundo Gancia, “enfurecidos e, amparados na unanimidade de respeitadores da ordem”, parecia operar na reiteração de sua obediência aos universais artísticos ao reclamar e coibir o ruído estabelecido pelos manifestantes, em sua intromissão na proposta comunicativa de Lidell.
Haveria algo tumultuoso no edifício teatral. Enquanto isso, artista e cavalo permaneceram calados, assistindo a tudo.
IV.
Montada em uma besta de galopes discretos aproxima-se a quarta história: “O inesquecível beijo de Dionísio”. Marcadamente sensual em suas aproximações e libações, começa da mesma forma das outras, pois é sempre uma mesma história. Entretanto, àquele problema, tornado agora angústia, uma intensificação sobrevém de seus lábios encantados: O que fazer com o espectador, sendo ele também nós, todos nós? Como bem governar toda essa massa ao nosso redor?
Datam de 1998 as primeiras reuniões do Movimento Arte Contra a Barbárie[xiii]. Esses encontros foram fundamentais para a aprovação da Lei Municipal de Fomento ao Teatro em 2002, que passou a garantir, desde então, o mínimo de R$ 6.000.000,00 anuais destinados à manutenção de pesquisa e produção teatral na cidade de São Paulo. Tal aprovação reorganizou de forma contundente a cena da cidade e do país, uma vez que o sucesso do movimento paulistano desencadeou uma série de outras iniciativas em outros estados, passando a operar como uma experiência-modelo. O Fomento ao Teatro também possibilitou a inédita continuidade de investimento estatal em experimentos teatrais de difícil sustentação por fontes econômicas laterais (patrocínio privado, bilheteria), para que pudessem ter suas pesquisas viabilizadas, o que pôde fortalecer determinada produção que pretenderia se afastar do teatro genericamente categorizado como entretenimento ou mercadoria.[xiv] Segundo um dos militantes do Movimento, o diretor de teatro Marco Antonio Rodrigues, “a cena prospectiva, investigativa, crítica, que é o que alavanca e distingue a arte do comércio puro e simples, vai sendo sufocada”[xv] e o Fomento deveria mudar esse cenário de restrição. Luiz Carlos Moreira, diretor do Engenho Teatral e um dos principais participantes do Arte Contra a Barbárie, entrevistado como um dos vencedores da 1ª edição do Fomento que contemplou 23 projetos, afirma:
A Lei de Fomento não veio para atuar dentro das regras do jogo. Veio para quebrar, para construir uma outra coisa; virou um programa público (…) A Lei veio para redistribuir valores para os coletivos. Assim se faz um trio forte: teatro-sociedade-poder público, que nada mais é do que fazer um tipo de teatro que não cabe mais no mercado, porque o próprio mercado exclui e expulsa essa expressão de nossa realidade.[xvi]
O relator da Lei e então deputado de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores, Vicente Cândido, confere ao Fomento um papel de inclusão social dos cidadãos que “jamais tiveram acesso a nada, quanto mais ao jogo lúdico e criativo da arte”,[xvii] de forma que a política viria fazer jus ao direito pleno de qualquer cidadão de entrar em contato com os bens culturais.
Dessa forma, a novidade fundamental que tal política pública introduziu na produção artística de seus contemplados refere-se a um dos critérios para a seleção de projetos, nomeado contrapartida social, ou benefício à população, ou, ainda, a proposição de um destino intencional da obra a um público alvo. A obrigatoriedade dessa contrapartida exigida pelo edital de inscrição do Fomento desencadeou, ao longo dos últimos anos, a realização de um amplo espectro de ações pela cidade: palestras públicas com especialistas, workshops, oficinas, gratuidade nas apresentações, ações de formação de público, mutirões, publicações etc. A pesquisadora Maria Lucia Pupo, atribui uma “tensão fértil entre arte e ação social”[xviii] ao teatro que passou a dialogar com os princípios da Lei de Fomento e, conforme análise da Cooperativa Paulista de Teatro, “os recursos da lei foram utilizados para muito além da mera montagem de espetáculos teatrais e passaram a atender às necessidades de formação, ampliação e capacitação do público para o entendimento do teatro”.[xix]
Outra das respostas a esse anseio de intervenção social pautada por um ideal democratizante firmou-se por meio da organização da Divisão de Formação da Secretaria Municipal de Cultura (à época secretariada pelo ator Celso Frateschi), no Departamento de Expansão Cultural, que contava com dois grandes programas artístico-pedagógicos: Formação de Público (2001-2004) e Teatro Vocacional (2001-). O primeiro consistia em práticas de mediação teatral para alunos da rede pública municipal (alunos da sétima e oitava série e adultos da Educação de Jovens e Adultos). O segundo se dedicava a fomentar a ampliação e qualificação da produção teatral não profissional por meio da instauração de processos criativos guiados por artistas-orientadores com considerável formação e prática artística.[xx]
Segundo Celso Frateschi, a essência de um programa como o Formação de Público seria “a formação de cidadãos, não estando voltada a simplesmente aumentar o público dos espetáculos em cartaz”.[xxi] Tratava-se de fazer vingar o deslocamento da ideia de difusão cultural à de uma pedagogia do espectador, proposta que já havia sendo debatida anos antes por outros fazedores de teatro. Assim, não é nada espantoso o fato de que, após nove meses de execução do programa, 133 mil pessoas haviam assistido aos espetáculos, 410 escolas haviam participado do projeto e 90 artistas haviam sido envolvidos direta ou indiretamente em suas produções.
Lançado em 2012 – 10 anos após a aprovação da Lei –, o livro Teatro e vida pública: o Fomento e os coletivos teatrais em São Paulo reúne uma série de artigos escritos por artistas e pesquisadores envolvidos com essa política pública ao longo de sua existência. O ator, pesquisador e ex-diretor da Cooperativa Paulista de Teatro, Ney Piacentini, no prefácio à coletânea, defende o valor de uma subvenção estatal como o Fomento, mesmo ciente de algumas de suas consequências problemáticas.[xxii] Apesar do lamento do autor diante da execução incompleta dos efeitos democratizantes visados pelo projeto da Lei, a observação do pesquisador Luiz Fernando Ramos descreve um diagnóstico de sucesso em relação a esses objetivos:
As experiências recentes, com todas as suas limitações, revelaram que a combinação de incentivo à pesquisa continuada de grupos teatrais com ações sistemáticas de preparação de público à assistência, geraram significativo aumento não só da quantidade, mas da qualidade do que é encenado na cidade. Mais do que isso, com elas formou-se uma massa crítica, viabilizando-se o ambiente cultural e social, e despertando públicos que nunca antes tinham assistido a um espetáculo às graças do teatro; quem recebeu o inesquecível beijo de Dionísio terá aprendido a pescar e será, doravante, um espectador.[xxiii]
Por mais que os lábios do deus tenham estalado sonoramente, despertando muitos que dormiam na noite da produção teatral paulista, o debate sobre os descaminhos da Lei se insinuam de maneira mais expressiva no tocante ao problema da contrapartida social. Demarcando posição contrária em tal discussão situa-se o professor de filosofia Paulo Arantes. A hipótese dele é a de que o Fomento estaria inserido dentro de um movimento institucional novo ao qual nomeia de Mercado da Cidadania. Composto também pelas Organizações Sociais (OS)[xxiv], tal mercado operaria como um meio de governo ao qual subsistiria, “no fim da linha, o elo mais fraco da luta de classes, estilizado em planilha como ‘público-alvo’”.[xxv] O autor exemplifica sua hipótese contando uma anedota: “Quando o Folias[xxvi] inaugurou o seu Galpão, nas portas do toalete não se liam mais os triviais Masculino e Feminino, mas os eloquentes Cidadãos e Cidadãs. Mau sinal. Por aquelas portas ‘republicanas’ estávamos entrando no universo do Fomento”.[xxvii] Ainda, segundo Arantes, um dos riscos de uma política pública com essa função residiria na oferta de dispositivos populacionais pacificadores,
pois a cultura, nesse meio tempo, tornou-se um precioso meio de governo, reunindo as duas funções: não só acalma os nervos, que a esta altura andam à flor da pele, como pode, vez por outra, abrir as portas para o subemprego, intermitente, porém sublimado pela aura artística. (…) Aqui o nervo da armadilha em que o teatro de grupo se deixou apanhar, e não tinha como evitar (mesmo fazendo o certo na hora certa), pelo menos desde o momento histórico em que a luta social, na falta de melhor escoadouro, foi sendo canalizada para a arena altamente regulada e vigiada das políticas públicas.[xxviii]
O editor e jornalista José Arbex Jr. também elenca como problemática fundamental da temática das políticas públicas o critério de benefício civilizatório a elas vinculado. Entretanto, ao questionar a prática da contrapartida como meio frequentemente usado para a realização de parcerias entre supostos militantes de movimentos sociais e o capital, [xxix] Arbex Jr. afirma que, no péssimo cenário de desvios de verbas públicas para fins privados, o Fomento ao Teatro segue sendo uma exceção:
(…) a Lei do Fomento é uma excrecência, é quixotesca naquilo que a expressão tem de melhor e mais profundo. Ela não é “pragmática”. Não se curva às exigências do “mercado”; não se compromete diante das corporações e das empresas de “entretenimento”, não faz do lucro o seu critério (…) Aqueles que se associam em defesa da Lei do Fomento têm no horizonte a ambição de conquistar a humanidade inteira. Ou, talvez, uma ambição ainda mais premente, tão impossível quanto necessária: a de não perder sua própria humanidade.[xxx]
V.
Por ora, deixaremos a conquista da humanidade inteira em suspenso. A última narrativa “inaugura nova era no lar”[xxxi] e é intitulada “O espectador intolerável”. Começa igual às outras, como já se cansou de repetir.
Faz-se uma cena: no dia 25 de maio de 2016, jovens ocupam a Fábrica de Cultura[xxxii] do Capão Redondo, a qual vinham frequentando na condição de “aprendizes” e de “público-alvo”. Cerca de 100 adolescentes passaram a gerir, de maneira autônoma, a programação cultural do espaço e conduzir as oficinas e os ateliês de criação. Organizados em Grupos de Trabalho, tarefas como comunicação, limpeza, segurança, cozinha e recepção eram divididas entre os jovens.
Em carta publicada pelos jovens na página da ocupação no Facebook (Aprendizes de Olho) no dia 3 de junho, pode-se ler:
Queremos que reconheçam [a ocupação] porque entendemos que a luta foi linda e que tudo ficou esclarecido. Queremos que a Poiesis reconheça que falha há 4 anos em não atender o que realmente a população periférica precisa, necessita. E, abertamente, diga que, enfim, nós trabalhamos como gente grande (…) Queremos que essa transparência seja feita de forma com que os aprendizes realmente definam o rumo da instituição. Concordamos que, dessa forma, a Fábrica de Cultura ficará com a cara da Periferia. Repudiamos o atual modelo da Fábrica feita para burguês ver. A Fábrica está no meio do Capão e é feita para nós, logo, queremos que tudo seja feito para nós, por nós. (…) Fechamos, assim, essa primeira pauta dizendo que a autonomia é muito legal, mas necessitamos que seja colocada em prática, pois o atual modelo proposto de autonomia não existe. Ele é apenas um fantasma colocando panos quentes, enganando e trapacando conosco (…) Queremos que vocês entendam que o nosso movimento vai continuar em cima da Poiesis e, se for necessário, OCUPAREMOS DE NOVO.
À cena da ocupação, acorreram muitos espectadores: arte-educadores, gestores da Organização Social Poiesis, pesquisadores, militantes, grupos de teatro e policiais.
Dentre as principais pautas das reivindicações dos jovens estava o pedido de reconhecimento da legitimidade da ocupação por parte da OS Poiesis, algo que nunca ocorreu ao longo de todo o movimento encerrado em 16 de julho, quando a PM retirou à força todos os manifestantes. Dez pessoas, entre elas oito adolescentes, foram detidas e encaminhadas à 47ºDP. Mesmo liberados os detidos, a ocupação produziu, ao longo e após sua existência, uma série de tensões entre assuntos de ordem artística e pedagógica (o próprio conceito de emancipação, largamente difundido institucionalmente, foi alvo de disputa) e também de ordem político-institucional. Os jovens aprendizes do Capão, alvos fundamentais da divulgação publicitária das ações sociais do Governo do Estado, por meio de sua luta organizada, tornaram-se, de um dia para o outro, intoleráveis em relação ao sucesso de determinado regime de gestão populacional.
A quinta história, portanto, apresenta um fragmento de possibilidade em que, uma vez mais, a relação entre teatro, educação e política treme, oscila, falha e se torna ineficiente. Algo a ver com ecos de vidas, tensões entre classes sociais e circunstâncias históricas que, por algum motivo, não se deixam deslizar facilmente pelas relações estanques propostas pela arte em nossa época.
Notas
[i] Clarice LISPECTOR, “A quinta história”, in Todos os contos (Rio de Janeiro, Rocco, 2016), p. 335.
[ii] Jorge DUBATTI, “Escuela de Espectadores de Buenos Aires”, in Artezblai (Buenos Aires, abr. 2009), disponível em: <http://www.revistadeteatro.com/artez/artez144/iritzia/dubatti.htm>.
[iii] Idem.
[iv] O programa da EEPA está disponível no site Mais Teatro: <http://maisteatro.org/2013/03/06/escola-de-espectadores-sera-lancada-dia-26-de-marco/> acesso em: 20 mar. 2016.
[v] Michele ROLIM, “O espetáculo por outro ângulo”, in Jornal do Comércio (Porto Alegre, 25 mar. 2013), disponível em: <http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=119786>.
[vi] Margot BERTHOLD, História mundial do teatro (São Paulo, Perspectiva, 2000).
[vii] William SHAKESPEARE, Ricardo III (Porto Alegre, L&PM, 2010), p. 24.
[viii] Apud Jesús Ruiz MANTILLA, “Es normal estar en el mundo del teatro y detestarlo”, in El país (Madrid, 07 nov. 2010), disponível em: <http://elpais.com/diario/2010/11/07/eps/1289114813_850215.html>.
[ix] Sara ROJO, “O corpo na performance de Angélica Lidell”, in cartografias.mitsp_01, n. 1 (São Paulo, 2014), p. 84.
[x] A íntegra do espetáculo pode ser conferida em < https://www.youtube.com/watch?v=-Ao9TR83ZQk > (acesso em: 05.mar.2016).
[xi] O termo especismo foi cunhado pelo psicólogo britânico Richard D. Ryder em 1970. Mais tarde foi largamente adotado por autores de obras sobre direitos dos animais, como o filósofo inglês Peter Singer. A ideia de especismo serve para se referir à discriminação que envolve atribuir a animais sencientes diferentes valores e direitos baseados na sua espécie.
[xii] Barbara GANCIA, “Uso de cavalo em peça ‘Eu Não Sou Bonita’ causa protestos”, in Folha de São Paulo (São Paulo, 15 mar. 2014), disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/03/1425829-uso-de-cavalo-em-peca-eu-nao-sou-bonita-causa-protestos.shtml>.
[xiii] Exponho os pontos demarcados nos três manifestos publicizados pelo Movimento Arte Contra a Barbárie ao longo de sua existência, segundo os quais a necessidade de teatro é justificada em termos de uma perspectiva de ação social. De acordo com os manifestos: a) a Cultura seria o elemento de união de um povo, podendo lhe fornecer dignidade e o próprio sentido de nação; b) o teatro seria tão fundamental quanto a educação por se contrapor à barbárie generalizada, resultante do sistema capitalista; c) o teatro seria um elemento insubstituível para um país por registrar, difundir e refletir o imaginário de seu povo; d) o teatro, por sua essência artesanal e comunitária, se manteria mais resistente à lógica mercadológica do que outras práticas; e) o teatro possibilitaria a formação de cidadãos críticos. Ver João Roberto FARIA; Jacob GUINSBURG e Mariangela Alves LIMA (coord.), Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos, 2. ed. rev. e ampl. (São Paulo, Perspectiva / Edições SESCSP, 2009).
[xiv] Idem.
[xv] Apud Aimar LABAKI, “Arte contra a barbárie”, in Camarim, ano III, n. 14 (São Paulo jul./ago. 2000), p. 4.
[xvi] Apud Dario UZAM, “Trabalho contínuo”, in Camarim, ano V, n. 28 (São Paulo, nov./dez. 2002), p. 18.
[xvii] Apud Renata ALBUQUERQUE, “Cultura: direito do cidadão”, in Camarim, ano VI, n. 32 (São Paulo, jan./fev. 2004).
[xviii] Maria Lúcia PUPO, “Quando a cena se desdobra: as contrapartidas sociais”, in Flábio DESGRANGES e Maysa LEPIQUE (orgs.), Teatro e vida pública – O Fomento e os coletivos teatrais de São Paulo (São Paulo, Hucitec / Cooperativa Paulista de Teatro, 2012), p. 153.
[xix] Cooperativa Paulista de Teatro, “Avanços e retrocessos”, in Subtexto – Revista de Teatro do Galpão Cine Horto, n. 2 (Belo Horizonte, dezembro de 2005), p. 59.
[xx] Maria TENDLAU, Teatro vocacional e a apropriação da atitude épica/dialética (São Paulo, Hucitec, 2010).
[xxi] Cooperativa Paulista de Teatro, “Políticas”, in Camarim, Ano V, n. 24 (São Paulo, mar./abr. 2002), p. 13.
[xxii] Ney Luiz PIACENTINI, “Apresentação”, in Flávio DESGRANGES e Maysa LEPIQUE (orgs.). Teatro e vida pública [2012], op. cit., p. 11-13.
[xxiii] Luiz Fernando RAMOS, “A responsabilidade do fomento com a formação de público”, in Camarim, ano X, n. 40 (São Paulo, 2007), p. 49.
[xxiv] As Organizações Sociais surgem em 1998 como pessoas jurídicas de direito privado, declaradas de interesse social e utilidade pública para todos os efeitos legais. Tais organizações celebram contrato de gestão com o poder público para formação de parceria no patrocínio e execução de atividades dirigidas ao ensino, pesquisa científica, desenvolvimento, entre outras.
[xxv] Paulo ARANTES, “A lei do tormento”, in Flávio DESGRANGES e Maysa LEPIQUE (orgs.). Teatro e vida pública [2012], op. cit, p. 207.
[xxvi] Folias D´Arte é um grupo teatral da cidade de São Paulo criado em 1997.
[xxvii] Paulo ARANTES, “A lei do tormento” [2012], op. cit., p. 209.
[xxviii] Idem.
[xxix] O autor usa como exemplo o caso da rede Fora do Eixo (FDE), grupo criado em 2005 sob a insígnia de “coletivo de gestores da produção cultural”, inicialmente com polos em Cuiabá, Rio Branco, Uberlândia e Londrina. Segundo Arbex Jr., “com a proposta de revelar novos valores culturais ´independentes´, e adotando o modelo organizativo baseado na formação de ´coletivos´, o FDE conseguiu o apoio do programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, durante a gestão de Gilberto Gil e depois de Juca Ferreira. Ao mesmo tempo, trabalhou com o patrocínio de empresas e grupos privados vinculados aos circuitos cultural e digital, espelhando-se na experiência de grupos semelhantes, como o Creative Commons estadunidense”. José ARBEX JR., “Contra o capital, a conquista da humanidade inteira”, in Flávio DESGRANGES e Maysa LEPIQUE (orgs.). Teatro e vida pública [2012], op. cit., p.179.
[xxx] Idem, p. 180.
[xxxi] Clarice LISPECTOR, “A quinta história”, in Todos os contos (Rio de Janeiro, Rocco, 2016), p. 337.
[xxxii] Existem, ao todo, 10 Fábricas de Cultura que fazem parte de uma política pública da SEC – Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (Programa Cultura e Cidadania para Inclusão Social) e estão espalhadas nas periferias da cidade – Zonas Sul (Capão Redondo e Jd. São Luís); Norte (Brasilândia, Vl. Nova Cachoeirinha e Jaçanã); Zona Leste (Pq. Belém, Vl. Curuçá, Itaim Paulista, Sapopemba e Cid. Tiradentes) – e oferecem cursos de iniciação artística em áreas como dança, música, circo, teatro, audiovisual, literatura e artes visuais. Segundo os pesquisadores Dany, Caio, Léo e Taiguara, “o que muitos dos frequentadores das Fábricas não sabem é que elas são fruto de uma parceria entre a SEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)”. Logo, investindo no setor de “inclusão social”, o direcionamento dessa parceria incide sobre projetos de “proteção social”, focados na “redução da pobreza”, garantia da “segurança cidadã” e melhoria da “equidade de oportunidades e da produtividade do trabalho”. Como bem notam os pesquisadores a partir de sua leitura dos processos pedagógicos das Fábricas enquanto ações de gestão populacional, a ideia de iniciação artística acaba, dessa forma, perdendo espaço para a seguridade. As Fábricas seguem uma proposta dos organismos internacionais de lidar com a violência e os efeitos das desigualdades sociais através de políticas de inclusão, por isso são construídas nas regiões com os maiores “índices de vulnerabilidade juvenil” da cidade. Sobre o episódio da ocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo, recomendo a leitura do texto Rebelião do público-alvo? – luta dos aprendizes nas Fábricas de Cultura, disponível em: < http://www.passapalavra.info/2016/07/108789>.
Publicado em: Dazibao 4